No Boqueirão, embalagens longa vida viram insumo ecológico inovador para construção

A casa de Farah e da mulher, Diva, não tem paredes ou muros pintados e é uma vitrine desse trabalho que ele, aos 74 anos, pacientemente executa. “Acho que cobri essas paredes com uns 200 mil tijolinhos que eu mesmo fiz e instalei. Sei que é uma gota para o futuro do planeta, mas é a minha contribuição. Tudo o que está aqui não vai poluir”, diz, mostrando as paredes externas e internas da casa, situada na esquina das ruas Anne Frank com Bley Zornig, e o estoque do material, disponível para quem se interessar.
Os “tijolinhos” a que o artesão se refere servem de revestimento. Como as peças maiores, que podem ser encontradas em paredes e escadas e são grandes como tijolos de argila, eles levam em sua composição minúsculos pedaços das caixas, picados à tesoura pelo próprio artesão. Tudo é moldado em caixas de leite longa vida vazias e usadas uma única vez.
Tudo se aproveita
Nada é desperdiçado ou vira lixo. As embalagens que servem de molde também são reaproveitadas como ingrediente da massa, que dará origem a novos tijolos e ladrilhos. As tampas plásticas são doadas para ação social e a água da chuva, coletada na cisterna revestida com os ladrilhos ecológicos criados por Farah, dá liga à massa.
Nem tudo, porém, vira insumo para construção civil. Parte das embalagens é destinada à decoração da residência e mostra a criatividade do artesão.
No sótão onde Farah e a mulher jogam pingue-pongue todas as tardes, as janelas são cobertas por coloridas cortinas feitas com folhas originadas das embalagens abertas e pacientemente enroladas, uma a uma. Os rolinhos resultantes dessa operação são colados com fita adesiva resistente e, como se fossem fios, unidos no sentido do comprimento e fixados às janelas com linha de pesca que passa pelo centro de cada um. E formando uma espécie de pequenas esteiras, os mesmos rolinhos se tornam almofadas para sofás e cadeiras.
É das janelas vedadas por essas cortinas que se veem, no quintal, mais exemplos da criatividade do artesão: bancos construídos para a neta, a cisterna para coleta de água da chuva, uma mesa fixa e casinhas para cachorros – tudo usando o mesmo material construtivo ecológico.
Sem ambicionar lucro, Farah revela que gostaria de ver sua criação aproveitada em outros espaços. “Quem sabe seja possível instalar em algum local público ou ensinar a técnica para os presos ocuparem o tempo deles”, diz, referindo-se aos detentos do sistema penal.